ENTREVISTA COM LUIZ ANTONIO MELLO
Entrevista cedida no ano de 2008 para o projeto “Militantes do Rock”!
Produtor musical, jornalista e escritor brasileiro e um dos fundadores do projeto “Maldita” da Fluminense FM na década de 80. Luiz Antonio Mello, foi uma figura importantíssima que exerceu um papel político fundamental nos anos 80. Ele montou juntamente com Samuel Wainer Filho, o projeto “Maldita”, da Rádio Fluminense FM.
A Rádio Fluminense FM (A Maldita), foi porta de entrada do rock brasileiro nos anos 80 e revolucionou toda uma geração. Quando a rádio surgiu em 81, deu voz a uma juventude e investiu no novo. No que se refere aos artistas do Brasil, a rádio participou ativamente no surgimento dessas bandas de rock nos anos 80. Vamos relembrar essa interessantíssima entrevista concedida a mim no PROJETO “MILITANTES DO ROCK”!
Luiz estamos abrindo uma discussão sobre bandas que tem um engajamento político (ou o tiveram no passado) em especial essas bandas dos anos 80. O que você pode nos contar sobre o surgimento e trajetória dessas bandas aqui no Brasil?
Luiz Antonio Mello: Bom é o seguinte, realmente o engajamento político foi conseqüência de um fator muito importante que foi a abertura política do Brasil como um todo. Em 79 nós tivemos a anistia, ela não só trouxe de volta as cabeças brilhantes que o Brasil tinha colocado pra fora, através da ditadura que foi um episódio hediondo da nossa história , como a ditadura, também confinou toda manifestação artística e cultural aos porões. Quer dizer, as pessoas faziam clandestinamente com medo de uma prisão e tortura enfim, tudo aquilo de lamentável de aconteceu. Eu acho que nesse primeiro momento dos anos 80 aconteceu foi um desabafo coletivo em todos os setores culturais e especialmente o rock brasileiro. Porque o rock não respira, ele é uma manifestação não só musical, mas a partir dos anos 60 se transformou numa manifestação política muito forte, e ele não respira sob censura, não consegue sobreviver. Ainda mais sob uma ditadura cruel que foi a nossa. Então eu atribuo a esse episódio da abertura política, não só o surgimento do rock, mas o próprio surgimento da maldita. Que não seria possível se nós estivéssemos em um regime fechado. Se fosse em 75 por exemplo, a maldita não iria pro ar de jeito nenhum. Se fosse em 78, estaria “pirigando” também. Então foi a consolidação da abertura política, que resultou numa rádio, que resultou também em que as bandas saíssem de suas garagens e fossem pras ruas.
Quem são as bandas que você classificaria como as que realmente tiveram um papel importante nessa esfera de engajamento? E existiram outras que se utilizaram dessa imagem como mero marketing?
Luiz Antonio Mello: Bom, eu acho que a banda mais forte nessa configuração política. Foi sem dúvida nenhuma Legião Urbana. Porque apesar do Renato Russo não se preocupar objetivamente com letras políticas, ele entrou com o primeiro demo-tape, com o primeiro disco da legião, ele já vinha com esse trabalho no aborto elétrico. Ele veio botando pra fora toda essa questão das liberdades individuais dos jovens. Você tem “geração coca-cola”, que é uma crítica muito forte. Depois ele veio com o “veraneio vascaína”, que na verdade é a cor, todo mundo sabe, de alguns camburões em algumas cidades, que é preto, branco e vermelho. Daí o nome “veraneio” que na época o carro veraneio que era o carro que se usava na época. E o Paralamas parece que não, mas tem um embasamento político sutil, muito mais sutil que o legião. O lobão também, colocou pra fora suas garras, depois que ele foi, como todo mundo, libertado das jaulas da censura. Muitas bandas agiram com honestidade e outros que naturalmente entraram no modismo, mas aquilo ali, as pessoas, os ouvintes percebiam que era marketing, que era jogada. Falar por falar entendeu, não tinha um falar por dizer, digamos assim. Não diziam nada só falavam, então as pessoas percebem que houve ali um aproveitamento, uma forma de capitalizar “marketeiramente” a questão da abertura política.
Abrindo um pouco o leque da discussão, Bob Dylan é geralmente citado, como um dos precursores dessa transformação no rock, dando uma cara mais politizada com letras de protesto e contestação. Mas alguns o reduzem a um músico de política da esquerda, chamando-o de “pacifista” e “revolucionário”. Qual sua visão sobre Dylan?
Luiz Antonio Mello: Bob Dylan é um gênio que conseguiu catalisar em torno dele de uma maneira muito forte, toda a movimentação folk radical de esquerda, no final dos anos 50 e início dos anos 60. Ele tinha como ídolo Woody Guthrie, que era um cantor folk que ele admirava. E a folk music que Dylan abordou era a folk music de critica social extremamente forte. Mas aí teve uma questão. Durante os anos 60 participou da “Marcha sobre Washington”, ao lado da Joan Baez, onde ele cantou inclusive e Martin Luther King esteve presente. Mais do que um pacifista ele era ligado, muito ligado as causas de justiça.
Eu li o livro dele “crônicas” volume 1, não sei se vai sair o volume 2 e depois vai sair o volume 3. A previsão era sair 3 volumes. Onde ele narra com muita sinceridade essa fase dele, essa fase especialmente onde ele largou a questão da militância política na música, temendo ser assassinado. Porque certamente deve ter acontecido ameaças e Bob Dylan nesse período rompe, antes dos anos 70, ele rompe com o engajamento político na música e parte pra canções mais filosóficas e até assim, canções românticas. O que provoca a ira de outras pessoas e da própria Joan Baez, que chamou ele de oportunista, que ele traiu o movimento. Hoje com mais calma, você percebe que ele salvou a própria vida, segundo o que ele estava imaginando o que aconteceria com ele. Eu tenho impressão que as mortes de Martin Luther king e do Robert Kennedy chocaram profundamente o Bob Dylan e levaram ele a um estado de pavor com relação a isso. Mesmo porque, ele não ficou só como um militante e foi considerado um messias político de todo aquele movimento. As pessoas iam pra porta da casa dele ele conta no livro, e pediam um posicionamento e diziam “sai Dylan”, “vamos pra passeata Dylan”. E ele fala “eu não agüentava mais aquilo tudo”. Eu entendo perfeitamente Bob Dylan, porque é um direito dele ter medo daquilo que já tinha matado tanta gente, matou Kennedy, matou Martin Luther King, matou Robert Kennedy. E vai continuar matando. Tem uma célula americana que está na alma americana, matar as pessoas que pensam diferente e pensam de forma mais democrática e especialmente de forma radical.
Luiz, falando um pouco sobre a Fluminense FM dos anos 80, numa época em que não havia internet e o acesso à informação era tão restrito, a fluminense criou uma nova cultura. Atendendo inclusive uma demanda da juventude roqueira que não tinha voz. Como vocês buscavam sempre pelo novo, como isso era feito na prática?
Luiz Antonio Mello: Na prática era o seguinte, nós abrimos a rádio pra fitas cassete, quer dizer, as bandas nacionais podiam levar suas fitas cassetes e quando eram aprovadas elas entravam no ar. Isso ai foi uma maneira de nós termos acervo de rock nacional que não existia na época. Não existia que eu digo, por causa daquilo que eu falei no início, por causa da ditadura e da censura. E também produtores como o Maurício Valadares que trazia as novidades de fora do Brasil, especialmente da Inglaterra, que eram selos de bandas e tal. Vinham acontecendo quando a fluminense entrou no ar e estavam no fim o movimento. No fim que eu digo, o Sex Pistols por exemplo, e o movimento punk estava mudando de feições. Gerando outros sub movimentos também na linha punk e também dançante, então essas novidades vinham de fora. E muito ouvinte levava discos raros lá na rádio, recém- lançados e tal. Ouvintes que viajavam e colaboravam com a rádio que eles amavam que eles gostavam muito, que era a fluminense fm. Então o que aconteceu, você tinha ai um grande conluio de ouvintes, com produtores e a gente mesmo com o nosso material pessoal. E formou então, esse acervo maravilhoso que foi o acervo dessa primeira leva da Fluminense FM.
Uma das bandas que surgiram na época foi o ultraje a rigor, tema do programa de hoje. Os meninos do ultraje na época de formação e ao longo da trajetória, sempre se utilizaram do bom humor mesclado as letras de contestação e tiveram várias músicas censuradas inclusive. A censura pegava pesado com diversas bandas, que simplesmente não podiam ser executadas. Como era essa história?
Luiz Antonio Mello: Pois é, a censura pegou pesado com eles, pegou pesado com o Léo Jaime, com a banda do Léo Jaime, “Os Miquinhos”. Pegou pesado com a própria rádio, nós éramos visitados por pessoas estranhas. Eles alegavam questões técnicas, mas não eram questões técnicas, eles queriam saber o que a gente estava fazendo. A censura foi o último pilar a cair na abertura política. O músico tinha que pegar a música dele, com letra e levar na censura federal. E o censor federal dizia se dava ou não dava para sair. E era um critério completamente pessoal, lá do censor. Se ele estivesse lá aquele dia, naquele plantão. Enfim, era uma coisa muito desagradável. Isso complicou a vida de muita gente, de muitas bandas naquela época. Com o passar do tempo, a censura foi caindo até apodrecer. Apodrecer por burrice, porque a censura sempre foi muito burra. Até de não entender o que estava acontecendo, não entender nada de nada. Apenas entender da própria repressão. Então essas bandas então se libertaram e começaram a viver uma vida normalizada. E não normatizada por esse estado de nervos e esse estado de coisas que se chamava censura.
Quem nasceu nos anos 50 e 60, teve a felicidade de conhecer de perto o trabalho de artistas nascidos na década de 40, como: Eric Clapton, Ian Anderson, Janis Joplin, Pete Towshend, Ozzy etc… Quem são seus favoritos???
Luiz Antonio Mello: Pra começar Beatles, especialmente Paul Mccartney, eu gostou muito dele. O Led Zepellin, The Who. The Who também é uma banda que me influenciou na minha vida pessoalmente. Especialmente o Pete Townshend, que eu considero um filósofo, mais do que um compositor e cantor. E bandas atuais, como por exemplo, naquela época né, eu gosto muito do U2. Algumas fases dele, o “Achtung Baby” é um disco que mexe muito comigo entendeu.
Hoje eu estou com o Black Label Society. É uma banda que tenho ouvido com freqüência, o White Stripes, enfim e o Bob Dylan evidentemente que jamais vai envelhecer. Então é exatamente essa questão do envelhecimento, eu procuro ouvir um disco sem ver a data que ele foi gravado, pra não ter essas influências “modernosas”, essa coisa toda. Agora realmente, as minhas três bandas são Beatles, The Who e Led Zepellin.
Quem ainda hoje, dessa moçada nova que surgiu, representa essa vertente do rock engajado politicamente?
Luiz Antonio Mello: Nós estamos numa fase agora, de não engajamento. Pelo menos assim, talvez pelo que eu tenho ouvido de bandas nacionais. O que está acontecendo é um outro tipo de engajamento. É um engajamento ambiental. Eu tenho visto as pessoas com preocupações com relação ao meio ambiente, essa questão toda do aquecimento global. Tem pintado muita coisa nesse sentido, mas o engajamento político mesmo, o último disco fantástico e sensacional, foi o disco no Neil Young. Em que ele pede literalmente no disco o impeachment do presidente George Busch. O disco dele foi lançado há 2 anos atrás. O Neil Young vai morrer político, aliás podia botar ele na minha listinha, disco do Neil Young. Agora, hoje eu sinto preocupações existências, preocupações com relação ao planeta ecologia. Mas o engajamento político apesar da guerra do Iraque essas coisas todas, algumas bandas fizeram alguma coisa, mas não tem mais aquela coisa que aconteceu nos anos 60, todo mundo em cima. Hoje a coisa está mais isolada.
Luiz nossa entrevista vai se encerrando, eu queria te agradecer, pela sua importante participação aqui no “Militantes do Rock”, e aproveitar também a oportunidade para te parabenizar pelo importante projeto que foi a Fluminense FM “Maldita” na década de 80.
Luiz Antonio Mello: Obrigado Daniela, eu fico super honrado em participar de um momento como esse, ainda mais com esse nome “Militantes do Rock”. Eu acho ótimo! Eu sou um deles e acho que vou me eternizar como um militante do rock. E parabéns a você pelo trabalho.
O PROJETO “MILITANTES DO ROCK” e o aúdio dessa entrevista, pode ser ouvido no YOUTUBE, canal DOOLANDIA: https://www.youtube.com/watch?v=KRhLOx2ew88